quarta-feira, 25 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

. Contra a Violência Doméstica



Kasim associa-se à comemoração do Dia Internacional Para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. É já no dia 25, às 10.00. A Biblioteca contará com a presença da Dra. Carina Martins, em representação da APAV, que orientará uma sessão de sensibilização contra a Violência Doméstica.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

. Bernardo Soares e o Desassossego de Pessoa

Há em Lisboa um número de restaurantes ou casas de pasto (em) que, sobre uma loja com feitio de taberna decente, se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de vila sem comboios. Nessas sobrelojas, salvo ao domingo pouco frequentadas, é frequente encontrarem-se tipos curiosos, caras sem interesse, uma série de apartes na vida.
O desejo de sossego e a conveniência de preços levaram-me, em um período da minha vida, a ser frequente em uma sobreloja dessas. Sucedia que, quando calhava jantar pelas sete horas, quase sempre encontrava um indivíduo cujo aspecto, não me interessando a princípio, pouco a pouco passou a interessar-me.
Era um homem que aparentava trinta anos, magro, mais alto do que baixo, curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando de pé, vestido com um certo desleixo não inteiramente desleixado. Na face pálida e sem interesse de feições um ar de sofrimento não acrescentava interesse, e era difícil definir que espécie de sofrimento esse ar indicava – parecia indicar vários, privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter sofrido muito.
Jantava sempre pouco, e acabava fumando tabaco de onça. Reparava extraordinariamente para as pessoas que estavam, não suspeitosamente, mas com um interesse especial ; mas não as observava como que perscrutando-as, mas como que interessando-se por elas sem querer fixar-lhes as feições ou detalhar-lhes as manifestações de feitio. Foi esse traço curioso que primeiro me deu interesse por ele.
Passei a vê-lo melhor. Verifiquei que um certo ar de inteligência animava de certo modo incerto as suas feições. Mas o abatimento, a estagnação da angústia fria, cobria tão regularmente o seu aspecto que era difícil descortinar outro traço além desse.
Soube incidentalmente, por um criado do restaurante, que era empregado de comércio, numa casa ali perto.
(…)
Não sei porquê, passámos a cumprimentarmo-nos desde esse dia. Um dia qualquer, que nos aproximara talvez a circunstância absurda de coincidir virmos ambos jantar às nove e meia, entrámos em conversa casual. A certa altura ele perguntou-me se eu escrevia. Respondi que sim. Falei-lhe da revista Orpheu, que havia pouco aparecera. Ele elogiou-a, elogiou-a bastante, e eu então pasmei de veras. Permiti-me observar-lhe que estranhava, porque a arte dos que escrevem em Orpheu sói ser para poucos. Ele disse-me que talvez fosse dos poucos. De resto, acrescentou, essa arte não lhe trouxera propriamente novidade : e timidamente observou que, não tendo para onde ir nem que fazer, nem amigos que visitasse, nem interesse em ler livros, soía gastar as suas noites, no seu quarto alugado escrevendo também.


É assim que Fernando Pessoa, o próprio, apresenta Bernardo Soares, invenção sua e autor de Livro do Desassossego. Não fora tratar-se de Pessoa e dir-se-ia estarmos perante um exercício literário próximo daquilo que se entende por despersonalização. Em primeiro lugar, porque ninguém tem dúvidas que Soares aparece no seguimento de uma forte necessidade de Pessoa se reencontrar consigo mesmo, e que por isso se observa do exterior, se auto-observa. O mesmo é dizer porque Soares é Pessoa, o próprio, em busca de alguma tranquilidade – O desejo de sossego e a conveniência de preços levaram-me, em um período da minha vida, a frequentar uma sobreloja dessas -. Depois, e se nos alhearmos do carácter voluntário do exercício, porque está lá tudo, ou quase tudo, com que geralmente se caracteriza esse distúrbio dissociativo : o distanciamento em relação aos sentimentos próprios, aos seus actos e pensamentos; a prontidão com que os descreve; o mesmo em relação ao seu próprio corpo; o facto de imaginar conversas com aquele que descreve; isto para não falar da depressão permanente, das desordens afectivas, do sofrimento e vazio angustiantes, numa palavra, da sensação de incompletude que se antevê desde logo nesta apresentação de Soares por Pessoa e que o livro do primeiro confirmará a cada passo.
Tratando-se do poeta português, tudo se complica. Uma vez que Bernardo Soares pode e deve ser entendido como solução encontrada para uma desordem de proporções muito maiores, uma espécie de refúgio forjado face a uma dissociação estrutural que torna o processo de despersonalização quase irrelevante. Sabe-se que Pessoa foi vítima de uma imaginação fértil e impiedosa desde a infância, onde surgem as primeiras presenças heterónimas, tal como o próprio explica numa carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro en 1935, o ano da sua morte: Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as cousas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Um certo Chevalier de Pas, um capitão Thibeaut e depois Alexander Search, por certo que uma forma de preencher o vazio deixado em aberto pela morte do pai, são apenas alguns exemplos da imaginação fervilhante de Pessoa criança. A mesma criança que sustenta uma relação muito especial com a mãe, obrigada a abandonar o país para acompanhar o novo marido numa missão diplomática na África do Sul, e de quem acabaria por se separar, já jovem adulto, preferindo regressar à sua Lisboa. Depois foi só seguir aquela tendência, dar-lhe livre curso e fazer justiça ao seu próprio nome : Pessoa, personne, persona, que na origem significa máscara, a máscara através da qual nos revelamos e escondemos ao mesmo tempo. Segundo um dos seus poemas escritos em inglês, que dominava por ter feito o liceu em Durban, onde ganhou o seu primeiro prémio de escrita criativa, não terá feito outra coisa senão isso, desdobrar-se em diferentes rostos através dos quais circula inevitavelmente : How many masks wear we, and undermasks/ Upon our contenance of soul, and when,/ If for self sport the soul itself unmasks/ Knows it the last mark off and the face plain?
São múltiplos os heterónimos e semi-heterónimos criados por Pessoa. É possível que alguns permaneçam por revelar no célebre baú que ainda hoje ocupa vários pessoanos. Ele, que tão depressa é nada como traz em si todos os sonhos do mundo: Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Há, no entanto, três que se destacam, quer pelo volume da sua produção literária, a sua consistência se quisermos, quer pela densidade psicológico de que o poeta os dotou. Falo agora de Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, o autor destes versos retirados do célebre Tabacaria.
Em relação à data de nascimento de Ricardo Reis, Pessoa estabelece datas distintas. Primeiro afirma que este lhe surgiu no espírito no dia 29 de Janeiro de 1914 : O Dr. Ricardo Reis nasceu dentro da minha alma no dia 29 de Janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite. Mais tarde, naquela mesma carta a Casais Monteiro, altera a data deste nascimento afirmando que Ricardo Reis nascera no seu espírito em 1912. O mesmo se passando em relação à respectiva cidade natal, primitivamente Lisboa e depois o Porto. De resto, parece não haverem dúvidas : trata-se do seu primeiro heterónimo importante, ainda que não tenha sido o primeiro a iniciar a sua actividade literária, que seria intensa e coerente até 13 de Dezembro de 1933, o ano da morte de Ricardo Reis. Médico de profissão, monárquico, razão pela qual terá emigrado para o Brasil, recebeu educação num colégio de jesuítas. Domina os clássicos, a forma dos poetas latinos e proclama a disciplina na construção poética. Professa uma concepção de vida simples, aceitando serenamente a relatividade de todas as coisas. É o heterónimo que mais se aproxima do criador, quer no aspecto físico –moreno, de estatura média, andar curvado, magro, com a aparência de um judeu português (Pessoa tinha ascendência israelita)-, quer na maneira de ser e no pensamento. É adepto do sensacionalismo, que herda do mestre Caeiro, e as suas concepções do mundo vai buscá-las ao estoicismo e ao epicurismo.
Alberto Caeiro, o mestre, em torno do qual se determinam os outros heterónimos, nasceu em Abril de 1889 em Lisboa, embora tenha vivido grande parte da sua vida numa quinta do Ribatejo onde viria a conhecer Álvaro de campos. Considera-se simples e natural, de acordo com a sua formação, tendo-se ficado pela instrução primária. É louro, tem olhos azuis e é um pouco mais baixo que Ricardo Reis. É frágil, embora o não aparente muito, e morreu precocemente em 1915 vítima de tuberculose. O mestre é aquele de cuja biografia Pessoa menos se ocupou. Como disse Ricardo Reis, a sua vida foram os seus poemas. Ainda assim, sabe-se que aparece a Pessoa no dia 8 de Março de 1914, de forma aparentemente não planeada, numa altura em que o poeta se debatia com a necessidade de fugir ao subjectivismo e ao misticismo. Daí a simplicidade de Alberto Caeiro, o mesmo que se ri de todos os ocultimos, o que se volta contra a transcendência, o pagão e o materialista que não se perdem em grandes filosofias.
Álvaro de Campos, engenheiro de profissão, nasceu em Tavira no ano de 1890. Estudou na Escócia, Glasgow, e formou-se em engenharia naval. Visitou o oriente e durante essa visita, a bordo, no Canal do Suez, escreve o poema Opiário, dedicado a Mário de Sá-Carneiro. Desiludido com a visita, regressa a Portugal onde se encontrará com o mestre Caeiro, tornando-se seu discípulo. Distanciando-se dele, no entanto, ao aproximar-se de movimentos modernistas como o futurismo e o sensacionismo. Distancia-se ainda do objectivismo do mestre, preferindo organizar as sensações em torno do sujeito. O que o levará mais tarde a cair no subjectivismo, na consciência do absurdo, na experiência do tédio e da desilusão. A sua primeira composição data de 1914 e em 12 de Outubro de 1935 ainda assinava poesias. Pouco antes, portanto, da morte de Fernando Pessoa, que deixara de assinar qualquer texto.
Parece pois, isto se quisermos analisar a obra do autor sob o ponto de vista dos distúrbios dissociativos de identidade, que por detrás de um exercício de aparente despersonalização, o texto-apresentação de onde partíamos, se impõe um transtorno de personalidade múltipla mais profundo. Como acontece nesses casos, também aqui se definem várias personalidades distintas e separadas numa mesma pessoa, cada uma com os seus comportamentos e sentimentos próprios. O que o torna um caso particularmente interessante, para lá do facto de se desconhecer o número exacto das múltiplas personalidades, é o facto de estas não se ignorarem entre si e chegarem mesmo a conhecer-se, estabelecendo relações pessoais umas com as outras. Como fica claro pelas respectivas biografias, os heterónimos não só se cruzam – Campos chega mesmo a tornar-se discípulo de Caeiro-, como se citam e comentam repetidas vezes, o que geralmente não acontece nos casos típicos de clivagem do eu. Um caso de distúrbio controlado? Mais um caso de sublimação artística? Ainda que mais complexo? Outra oportunidade para avaliar as possibilidades de uma cura pela arte? Não é Bernardo Soares o primeiro a afirmar que a vida nada será se não for a arte a conferir-lhe sentido? Uma oportunidade para repensar a psicanálise, também ela, enquanto exercício artístico? A confirmação de que a clivagem é estrutural na relação com o Outro, como disse Lacan, e não necessariamente do domínio da psicose como pretendia Freud? Em relação a isso, ouçamos o próprio Fernando Pessoa, mais uma vez na carta a Casais Monteiro: A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação.
Em relação à existência de uma identidade primária, como quase sempre acontece nestes casos, a situação é igualmente interessante. E isto porque não temos apenas uma, mas três, se insistirmos em separar Pessoa de Soares, que afinal são o mesmo em busca da mesma tranquilidade. Temos Caeiro, o mestre, ele próprio um heterónimo em relação ao qual os outros se determinam. Soares, que revela conhecimento de todos. E Pessoa ortónimo, que delega essa função no autor do Livro do Desassossego. Um livro escrito por um homem obviamente sujeito a depressões, tomado pelo tédio -este é talvez o vocábulo mais utilizado ao longo do livro-, pela angústia de ter que existir, e que por isso mesmo se entrega a um exercício de introspecção sem freio, a uma espécie de auto-análise que desoculta a vida espiritual ardente de um modesto empregado de comércio : Invejo – mas não sei de invejo – aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria. Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho a dizer.
O livro propriamente dito, esse, é um livro definitivamente ausente, sem centro, escrito ao sabor do acaso, sem plano orgânico, repleto de impressões intimistas e tortuosas. Um livro em que a forma e o fundo se confundem inevitavelmente. Como Breton virá a dizer do seu Nadja, um livro que deixamos entreaberto como as portas, e do qual não há chave a procurar. Um livro em que a intranquilidade, uma consciência flutuante incapaz de se ligar a si mesma e ao mundo, e só essa, assume total protagonismo. Um livro escrito por alguém, tal como Soares diz de si próprio, que observa o desmoronamento da sua própria vida –Tenho assistido, incógnito, ao desfalecimento gradual da minha vida, ao soçobro lento de tudo quanto quis ser-, a vida de alguém que se dispõe a vampirizar e viver os sonhos dos outros – O que se passa, de facto, é que faço dos outros o meu próprio sonho. Enfim, a vida de um ser humano, como tantos outros, tal qual Álvaro de Campos assume em Poema em linha recta - Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil-, cuja dispersão ou distúrbio, que Soares exibe como quem exibe as suas doenças, também serão explicáveis pela morte do pai de Pessoa-criança, pelo seu afastamento em relação à mãe, pela quase ausência total de vida afectiva, bem como pelo álcool que consumiu excessivamente ao longo de toda a vida. Numa palavra, o virgem negra.1


1.O Virgem Negra é o título de um livro de Mário de Cesariny, o mais importante dos surrealistas portugueses, onde o poeta se propõe ironicamente explicar Pessoa às criancinhas. O livro chamar-se-á assim porque quando se procedeu à transladação dos restos mortais de Pessoa do cemitério primitivo para o Mosteiro dos Jerónimos, onde agora faz companhia a Camões, outro grande poeta nacional, se constatou que o cadáver, ou parte dele, permanecia incorrupto e enegrecido. Uma vida afogada em álcool? Talvez.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

. O Dia Internacional Para a Tolerância

O Dia Internacional Para a Tolerância, 16 de Novembro, foi instituído pela ONU, estávamos em 1995, em reconhecimento da Declaração de Paris. Uma Declaração onde todos os 185 estados signatários se comprometem a zelar pelos Direitos Humanos Fundamentais. Kasim associa-se às iniciativas que celebram o seu aniversário e deixa-te o vídeo que se segue.